Se calhar por ter passado meio século sobre o início da revolta armada nas ex-colónias, vê-se por aqui e por ali um ressurgir de livros e notícias sobre a guerra colonial.
Os ex-combatentes queixam-se da falta de reconhecimento de uma nação que não se lembra deles, os chamados "retornados" queixam-se de terem perdido tudo e regressarem de mãos vazias depois de uma vida de trabalho, os apoiantes do antigo regime queixam-se do abandono das colónias, há muitos portugueses que se queixam da "descolonização exemplar", o PC e a extrema-esquerda queixa-se dos partidos mais à direita, os partidos mais à direita queixam-se dos partidos mais à esquerda, e até os que não deram com os costados na guerra, por ela ter acabado antes de os apanhar, se queixam dalguma coisinha.
No meio de tantas queixas, eu também quero apresentar as minhas.
Queixo-me, por aos doze anos de idade ser confrontado com os gritos de pais, mães, mulheres e irmãs (pois outro tipo de familiares não eram admitidos no cais da estação de S. Bento aquando o embarque dos contingentes para o então ultramar português, via comboio até Lisboa e depois de barco até Luanda), que me afligiam, causavam medo que os meus pais tentavam abafar, dizendo que já não seria chamado a combater porque entretanto a guerra acabaria(como se enganaram).
Queixo-me, porque fui obrigado a largar estudos e trabalho para ser desterrado de casa, e andar a correr o País de quartel em quartel até ser embarcado no Vera Cruz, com destino a uma guerra de que não gostava nem desejava, para defender a Pátria que tinha jurado defender, mas que já desconfiava que não era a Pátria que mo impunha mas apenas o poder económico
Queixo-me, de sentir a indiferença dos moradores de Luanda, que nos olhavam como se fossemos facínoras, das populações brancas e mulatas por quem passei a caminho das terras do fim do mundo (uma das noites passei-a ao relento com mais cento e cinquenta homens na terra que então alojava o indigitado primeiro-ministro) que não nos dispensavam um acolhimento caloroso, antes tentavam fazer negócio connosco e vender-nos por preços exorbitantes aquilo de que sentíamos mais falta.
Queixo-me de ver morrer simples soldados à minha frente, e do desespero então sentido pela falta de helicópteros para evacuação, que entretanto tinham sido destruídos em Tancos por alguém que, fugido ao serviço militar, preferiu ser da esquerda revolucionária (ARA), esquecendo que ao destruir certo tipo de material estava também a destruir pessoas que não se podiam defender.
Queixo-me de ter perdido quatro anos da minha vida em defesa de gente que nunca teve uma palavra de agradecimento para o nosso sacrifício na proteção das suas vidas e dos seus bens.
Queixo-me da saudade que tenho daquele povo afável e que se cobria debaixo das nossas asas e que apenas pretendiam continuar a levar a vida que gostavam de levar e que nós, loucos civilizados, achavamos que lhes faltavam as comodidades do progresso quando eles eram felizes apenas com tão pouco.
Queixo-me por me terem feito amar uma terra lá ao longe, noutro hemisfério, de que sinto saudades do cheiro, dos muitos colonos brancos decentes que encontrei em Benguela e muitos outras cidades espalhadas pelo sul e centro-sul de Angola, que em condições difíceis não deveriam ter tido a sorte que tiveram.
Queixo-me ainda do oportunimo de muitos que por lá andaram e que de lá regressaram de mãos cheias, mas propalando aos sete ventos a sua pobreza e desgraça, vomitando ódio a cada esquina e rapinando empregos que a outros se destinariam.
Queixo-me enfim, de passados cinquenta anos, haja ainda tanta gente a queixar-se esquecendo-se porventura do que foram recebendo, alguns bem mais do que aquilo que deram.
Queixo-me também, por fim, da falta de apoio sério aos militares deficientes e sofrendo de depressões graves, bem como à falta de apoio que sofrem as suas famílias, como se fosse culpa deles terem combatido numa guerra, que sendo políticamente incorreta, não foi decidida por eles e foi travada em nome de uma pátria em que acreditavam, através dos ensinamentos recebidos ao longo de toda uma vida.
Veremos se alguém agora olha por eles...
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