No JN de hoje esta notícia:
Virtudes Jardim dos socalcos
Duas únicas pessoas ilibam os 22 mil metros quadrados do Parque das Virtudes - entre a Rua Azevedo de Albuquerque e a calçada de Miragaia -, do vazio absoluto.
Uma mulher de meia idade espraia-se, adormecida, pela relva num descansado top-less protegido por um cão de estimação. Um homem, de raça negra, ocupa, contemplativo, juntamente com uma Bíblia e um dicionário de Português-Inglês, um dos muitos bancos de jardim.
"Venho para cá todos os dias, desde há 17 anos - há tantos quantos estou em Portugal -, rezar e escrever as minhas cópias", revela, descalço e em tronco nu. José Pedro tem 62 anos e vive do rendimento mínimo. Mas já fez um curso de Teologia, em Lisboa, e trabalhou num consulado. Antes do fim do ano, espera conseguir regressar a África.
"Assisti às obras de recuperação deste parque, que é lindo", considera, apontando de rajada os defeitos que não pode "perdoar". "Os guardas não se comportam devidamente", sentencia o sacerdote evangélico, que assegura ter "visto, sete vezes e cara-a-cara Jesus Cristo no parque".
"Os guardas", continua numa voz sussurrada, "não são fiéis. Levam as namoradas para os bunkers que existem aqui. Como nunca vem cá ninguém, eles pensam que ninguém sabe. Mas eu sei. Vejo-os a sair de lá, dos bunkers", insiste. "E isso é mal criado. Um parque destes merece pessoas com mais reputação. Isto é para repousar; não é para namorar".
Ambíguos castigos à parte, o parque das Virtudes, reaberto ao público em 2003 - um dos muitos recuperados nos mandatos do autarca socialista Fernando Gomes -, desdobra-se em verdes socalcos, pontilhados por vários lagos e fontes barrocas com água corrente. Está cercado por um corredor de claustros pertencentes à antiga Casa das Virtudes e paredes amarelas ainda não redescobertas pelos grafitters. De qualquer ponto é possível avistar o rio Douro e, ao fundo, boa parte da cidade de Gaia.
Fértil em curiosidades, o parque, onde no século XIX funcionou o Horto das Virtudes, apresenta, logo à entrada, 17 tanques paralelos, nos quais era comum as mulheres lavarem roupa.
A ser verdade que há pecados no parque das Virtudes, eles parecem resumir-se a dois desperdício de um bem essencial e escasso. Os tanques, inutilizados, continuam a escorrer abundantemente água da companhia. E desperdício ainda maior de um recinto inteiro, que antes de ser recuperado do vandalismo e abandono a que estava votado, era frequentemente criticado pelos portuenses. Agora, que beneficia de condições raras de qualidade, todos parecem ter-se esquecido de o frequentar. O parque, vigiado 24 horas por dia, abre os portões às nove da manhã e encerra-os às 22 horas da noite.
Reproduzido da edição on-line do JN
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