10 setembro, 2005

A nova greve da Justiça

Ouvi ontem, num telejornal qualquer, um representante dos srs. juízes, dizer que aquela corporação iria entrar em greve porque estaria a ser maltratada e desconsiderada pelo governo!

Afinei o ouvido, pois esperava que o senhor me explicasse em que consistiam as desconsiderações, e os maus tratos, pois não sabia de nada até aquela data. O que tinha ouvido falar, era de que os senhores juízes iriam passar a ter menos dias de férias, assemelhando-se assim aos vulgares cidadãos deste País, e que, possívelmente, iriam ter um sistema de saúde idêntico ao dos demais.

Mas disso o cavalheiro não falou, apenas referiu que era um escândalo a maneira como estavam a tratar os juízes no que respeitava às suas férias, e de que tinham sido chamados ao ministério, em conjunto com mais não sei quantas associações sindicais do sector, o que os deixou muito encolerizados, talvez por não terem tido o tratamento VIP a que costumam estar habituados.

Não me lembro de os senhores juízes, nestes anos todos que decorreram depois do 25 de Abril, e já lá vão mais de trinta, fazerem greves por terem processos a mais, ou porque achavam que a justiça ía mal por falta de gabinetes, assim sendo, o que os levará a só agora e tão tardiamente se lembrarem destas estranhas explicações.

Estes senhor, que fala em desconsideração, é apenas um representante de uma corporação em que:

  • muitos dos seus oficiais nos aparecem nos julgamentos, sentados displicentemente, mas que obrigam a que testemunhas e réus se identifiquem em posição de sentido, antes de se decidirem do alto das suas cátedras, a dar autorização para que se sentem, numa cadeira ou num banco desconfortável, alguns tendo o desplante de chamar a atenção do inquirido sobre a sua postura no assento, como se isso fosse prova de menos respeito pela autoridade que representam;
  • muitos chegam atrasados aos julgamentos, quando chegam, e nem um simples pedido de desculpa apresentam aos que ali são chamados a intervir, reagindo acintosamente quando tal facto lhes é recordado;
  • nunca se esquece dos seus privilégios entre os quais avultam os da irresponsabilidade, inamovibilidade, independência, regime de faltas, julgamento inter pares, entrada em livre-trânsito em locais de acesso restringido, utilização gratuita de transportes, advogar em causa própria, etc.;
  • interrompe quando lhe dá na real gana o trabalho que faz, chegando ao ponto de alguns aceitarem para o mesmo dia e hora, julgamentos em juízos diferentes, sabendo de antemão que um deles irá ficar prejudicado e que não irão ser responsabilizados por esse facto, pois quer advogados quer litigantes sabem o que têm a esperar no futuro.
Muito mais poderá ser aduzido ao que aqui se escreveu, por centenas de infelizes que passaram dias e horas em corredores, de pé, sem aquecimento ou escaldantes, aguardando a chamada para depôr sem nunca chegarem a fazê-lo, só porque o sr. doutor ou já estará suficientemente elucidado o que será correcto, ou porque apenas quis mostrar que tem poder absoluto sobre quem entra nas portas do seu feudo, pois ja´saberia que não iria conseguir ouvir todos no espaço de tempo que tinha disponível.

É triste, que num País que tem uma justiça que demora anos a repor legalidades ou as deixa prescrever em numeros assombrosos, se ouse ouvir falar em dignidades feridas ou direitos espezinhados, quando muitos de nós tem queixas de muitos que agora se apresentam como vitímas.

Até quando este triste espectáculo.

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