Muitos chamar-me-ão saudosista, passadista e retrógrado, outros apelidar-me-ão de míope, velho do Restelo e pessimista, alguns dirão que exagero, que estou desfocado com a realidade ou que apenas é a evolução.
Mas, como poderemos hoje que temos mais escolas, mais gente a estudar, mais licenciados, mais jornais, mais pluralismo e não assistir a um evoluir de ideias, um aumento de cultura, uma diversidade de pensamento?
A política afunda-se na retórica do escárnio e mal-dizer, apontando os muitos erros do passado mas poucas soluções para o futuro; a indústria, tirando uma meia-dúzia de combatentes, afunda-se sem norte e sem esperança; a agricultura em vez de andar para a frente e ensaiar novas soluções e produtos limita-se a gritar por subsídios; as pescas, moribundas, deixam os pescadores em terra por falta de embarcações, enquanto os estaleiros estiolam com falta de encomendas; o comércio retalhista vai fechando porta atrás de porta, à medida que se vão reformando os proprietários ou desaparecendo engolidos pelas grandes superfícies, divididas entre o homem da Sonae e o do Pingo Doce; a banca e os seguros vivem de casamentos consanguíneos que lhe vão minando a saúde, tendem a juntar-se debaixo de um enorme guarda-chuva que nunca terá dimensão suficiente para evitar as tempestades.
Olhando à volta, procuro os substitutos dos tribunos de 74 e não vejo ninguém.
O Mário está velho, lutador ainda mas já sem a energia e a agilidade de espírito que o caraterizava, o Freitas oscila entre a sua matriz democrata-cristã e a social-democracia (que é encontrada no PS e nada tem a ver com o liberalismo selvagem do PSD), o Adriano Moreira afastou-se, deixando-nos ainda mais sós, os restantes desapareceram, e, s.m .o. não vejo concorrentes à altura.
Onde estão os substitutos do Álvaro Cunhal, do Carlos Brito, do Octávio Pato, do Lopes Cardoso, do Henrique de Barros, do Miller Guerra, do Tito de Morais, do Mata Cáceres, do Sotto Mayor Cardia, da Sophia de Mello Breyner, do Amândio de Azevedo, do Barbosa de Melo, do Mota Pinto, do Ribeiro de Almeida, da Helena Roseta, da Natália Correia, do Francisco Sá Carneiro, do Amaro da Costa, do Lucas Pires, do Vitor Sá Machado?
Será que econtramos algum pálido émulo no Parlamento atual ou nas listas para deputados?
E que dizer dos jornalistas que se batiam por causas e pela verdade, como o Portela Filho, Bettencourt Resendes, Carlos Pinto Coelho, Maria Helena Mensurado, Fernando Soromenho, Cáceres Monteiro, Fernando Pessa, Raul Rego e tantos outros que não deixaram escola, pois tirando, hoje em dia, uma mão pequenina onde encaixo o Fernando Madrinha, o Baptista Bastos, a Clara Ferreira Alves e o Mário Mesquita, poucos são aqueles que me fazem prender a atenção ou baixar a música, pois são apenas rodas de uma engrenagem que se encontra na mão de poucos donos e todos da mesma cor.
Hoje, ou se é a favor do Sócrates ou contra o Sócrates, o mesmo se aplica aos restantes, sejam eles o Portas, o Jerónimo ou o Louçã.
Tratamos a política como o futebol, somos portistas, benfiquistas, sportinguistas ou bracarenses porque sim, porque o nosso pai já o era ou por qualquer outra coisa, do mesmo modo que uns gostam de uma sopinha de nabos, outros dumas sardinhinhas assadas com pimentos e até os há que gostam de ir torrar ao sol quando as nuvens deixam.
Há uns anos atrás, perguntei numa reunião onde estavam algumas cabeças pensantes se quando fôssemos todos licenciados (alguns agora até já são mestres e doutores) quem é que fazia o lugar de porteiro?
É esse talvez um dos grandes dilemas desta geração.
Porque têm um canudo, pensam poder falar sobre tudo e de tudo saber quando lá bem no fundo são mais ignorantes do que o caseiro da quinta da esquina, que só sabe ler mal e escrever pior, mas que é capaz de dizer com exatidão qual é a área do campo ali ao lado só olhando para ele ou se amanhã o dia será de sol ou não, do mesmo modo que o pescador sabe, das marés e do tempo, orientar-se pelo sol ou pelas estrelas, e para isso não necessitou de pagar propinas.
Camões, que todos sabem (será que sabem?) ter sido um grande poeta, falou no saber só de experiência feito que parece que não abunda por aí, pois a falta de experiência anda aliada à presunção e água benta de que padece a mocidade, e que geralmente lhes é ministrada juntamente com a ideia da competição desenfreada, por professores colocados nas escolas, relativamente bem pagos mas bastante mal preparados.
Ainda não será desta que nos safamos, se não soubermos dar um safanão na nossa cultura nacional que, entrou em reflexão em 74 e ainda não saíu dela, como já referiu Eduardo Lourenço.
Saiamos pois!